quarta-feira, 11 de março de 2009

[ Recordações do balacobaco 8 de 08/01/2007: indicação ]


Dançando no escuro, de Lars Von Trier

Selma Jezkova (Björk) é uma mãe solteira portadora de uma doença hereditária na visão. Tentando impedir que o filho fique cego como ela está ficando, Selma trabalha o máximo que pode para economizar e pagar a sua operação. No seu dia-a-dia monótono e cansativo a protagonista mistura realidade e fantasia. Porém a sua vida muda radicalmente quando é obrigada a cometer um crime. Além da excelente trilha sonora de Björk, Dançando no escuro tem as participações de Catherine Deneuve e do lendário Joel Grey (Cabaré). Adoramos esse filme e o recomendamos. Concordamos plenamente com a Luciana Canton, que escreveu a crítica abaixo. Trata-se de um filme que mexe com o corpo e a alma.

Björk, nas mãos de Lars von Trier, abre novo caminho para o cinema
Luciana Canton (Nova York)

A tragédia de Selma parte duma premissa perturbadora: pode-se cometer um homicídio a sangue frio e mesmo assim ser inocente? O roteiro de Von Trier é absolutamente brilhante. Ela está quase perdendo a visão e trabalha numa fábrica para juntar dinheiro para a operação de seu filho. Aqui a comparação do diretor com o próprio fazer cinematográfico é clara: o que ela pode oferecer ao filho são olhos para ver. Selma não faz nada para si mesma. Quando ela abre seu coração para um policial, comete um erro inexorável. Von Trier se utilizou ainda sabiamente do atual sistema penal americano, que mais lembra os terríveis anos da inquisição e a Idade Média. A performance de Björk merece, sim, todos os louros que recebeu (o filme foi palma de ouro em Cannes, e melhor atriz para Björk). Sua entrega é absoluta, ela possui uma graça cândida e ao mesmo tempo amadurecida que é absolutamente encantadora. Todos os números musicais são homenagens rasgadas aos anos dourados de Hollywood, a uma época de inocência que não volta mais. Eles são paralelos à realidade do filme, e resultam em fatos geralmente contrários ao tom alegre da conclusão. Aqui só se voa alto para cair um pouco mais fundo. A última canção, entretanto, surge milagrosamente dentro da realidade do filme. O canto de Selma, como expressão máxima e urgente da vida, é absolutamente devastadora. Ao nos tirar Selma, a eterna criança, o espírito artístico em pessoa, o diretor está nos tirando toda a alegria e a esperança. E daí vem o poder dessa narrativa. O espírito artístico do filme só tem uma possibilidade de reviver: em nós. Como urgência, como vir a ser, como desejo fortíssimo de fazê-lo novamente existir.

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